sábado, 9 de abril de 2011

Luís Filipe Vieira: “A marca Benfica passou a valer acima dos 250 M€”

O presidente do Sport Lisboa e Benfica esteve este sábado na Conferência Internacional de Empreendedorismo, onde recordou a recuperação que foi feita em termos financeiros desde que chegou ao Clube. Leia a intervenção de Luís Filipe Vieira no Centro Cultural de Angra do Heroísmo.


“Desafiaram-me para falar da recuperação do Sport Lisboa e Benfica desde que cheguei ao Clube até aos dias de hoje. Um desafio enorme que, confesso, nunca tinha feito até hoje.


Aceitei o desafio, porque de vez em quando convém olhar para trás e ver o percurso que fizemos. Vale a pena ter memória e perceber qual foi o ponto de partida e o lugar em que hoje estamos.


É do conhecimento público que, quando cheguei ao Benfica, o Clube estava totalmente hipotecado, sem dinheiro para pagar as suas contas, sem credibilidade sequer para se empenhar e, pior, sem forma de honrar os compromissos que os seus responsáveis à época tinham assumido.


É conhecida a história “negra” dos anos que precederam a vitória do meu amigo e Presidente Manuel Vilarinho e a minha chegada ao Benfica.


Havia uma erosão significativa, um passivo de mais de 100 milhões de euros e um activo que estava ou hipotecado ou degradado.


O Clube tinha perdido credibilidade, não cumpria com os compromissos assumidos, tinha acumulado dívidas de muitos milhões. Não tinha acesso a nenhum tipo de crédito, havia ordenados em atraso e modalidades em risco de desaparecer. E pior que tudo: Havia, um divórcio cada vez maior com os sócios e adeptos.


Apenas para que tenham uma pequena ideia do cenário que fomos encontrar e daquilo que fizemos em pouco mais de uma década, e além do passivo já referido, tivemos de assumir quase 14 milhões de euros em impostos, perto de 9 milhões de euros em acordos judiciais, mais de 9 milhões que tivemos de liquidar a fornecedores e credores e quase 9 milhões de euros que tivemos de assumir de empréstimos bancários.


Estas dívidas, que vinham do tempo de Vale e Azevedo, foram assumidas e pagas pelas minhas Direcções e pela Direcção de Manuel Vilarinho. Foram anos em que se destruiu o ecletismo e a formação do Clube, em que havia uma desconfiança fundada em relação ao futuro do Sport Lisboa e Benfica.


Mas enquanto o Benfica estava falido, o País, na altura, mantinha um bom músculo financeiro. Situação diferente daquela que vivemos hoje, em que o Benfica está financeiramente equilibrado, enquanto o País está no estado em que sabemos.


Tudo isto para dizer que não havia pior cenário possível para desenvolver qualquer projecto que aquele que encontrei.


Sem dinheiro, sem credibilidade e com recursos humanos amadores, insuficientes e totalmente desmotivados.
Antes de avançar com qualquer medida, pedi a KPMG uma auditoria a todo o Universo Benfica. Era necessário saber qual era o verdadeiro estado do Benfica.


Depois da auditoria, uma das primeiras decisões que assumi foi a de profissionalizar a estrutura do Benfica. Um Clube com a dimensão e as aspirações do Benfica não podia viver com uma estrutura amadora e impreparada para os desafios que tínhamos à nossa frente.


Tal como numa equipa de futebol, em que só podemos aspirar a ter sucesso com jogadores de qualidade, qualquer organização com esta dimensão só pode ter sucesso se tiver os jogadores certos.


O pior que podíamos ter feito era continuar a batalhar nas várias áreas específicas em que tínhamos de nos mover – como seja a área financeira, o marketing, a informática, as infra-estruturas – com pessoas que não tivessem o necessário conhecimento técnico.


Portanto, a primeira decisão de mudança passou por definir objectivos com base numa estratégia sustentável.
Mas, tendo definido a estratégia, tínhamos de garantir a capacidade de executar essa mesma estratégia.
Tal como no futebol, o treinador é importante, mas quem decide sempre é a equipa que está em campo.


Só a equipa é que pode marcar golos. Qualquer liderança depende do desempenho dos seus trabalhadores, por isso é que foi fundamental apostar no recrutamento dos melhores profissionais para cada área.


Sabia o que queria para o Benfica, mas precisava de pessoas que implementassem as minhas ideias. Pessoas com espírito inconformista, abertas à inovação, gente empreendedora e preparada para recuperar o Clube nas suas múltiplas vertentes.


Mas não basta contratar os melhores, é necessário motivá-los e mantê-los na estrutura.
É por isso que no Benfica, anualmente, há uma reunião de quadros. Não tanto para analisar o que foi feito no ano que passou, mas sobretudo para estudar aquilo que de novo se poderá fazer no próximo ano.


A frieza dos números diz-nos que, tendo partido rigorosamente do zero, conseguimos em dez anos transformar o Benfica no 11.º maior clube do mundo a nível de bilhética e no 17.º maior a nível de receita comercial.
Tudo isto com o mesmo nível de receitas televisivas que tínhamos em 2001.


Fomos, em 2006, o único Clube português a chegar ao Top 20 da Liga Financeira Europeia. Portanto, de uma marca descredibilizada, a marca Benfica passou a valer, nos dias de hoje, acima dos 250 milhões de euros.


O segundo grande elemento agregador e que foi fundamental para a recuperação do Clube passou pela construção do novo Estádio da Luz. Como sabem foi um processo complexo, que gerou muita discussão e posições muito antagónicas dentro da própria direcção do Sport Lisboa e Benfica.


Mas, hoje, estou convencido que se não tivéssemos avançado para a construção do estádio muita da nossa recuperação enquanto Clube teria ficado comprometida. O Estádio foi um elemento que levantou a auto-estima dos benfiquistas, que os fez acreditar que de facto valia a pena apostar neste novo projecto.


Como sabem não nasci no futebol, habituei-me na minha vida empresarial a trabalhar com a razão. Nenhuma empresa sobrevive com decisões emocionais. Tem de haver racionalidade nas decisões que tomamos.


Mas o futebol é uma indústria em que é a emoção que domina, o que torna tudo muito mais interessante, mas muito mais imprevisível.


Adaptando-me a esta diferença, a verdade é que nunca desisti de introduzir alguma razão na emoção. É evidente que há momentos em que devemos correr riscos e aquele era claramente um deles.


Porventura, de um ponto de vista puramente racional, teria sido mais prudente não avançar para uma obra que custaria o dinheiro que não tínhamos. Mas também, de um ponto de vista racional, e perante a descrença generalizada que se tinha instalado só havia uma maneira de voltar a fazer acreditar os sócios e adeptos que podíamos sair da crise em que o Benfica havia mergulhado.


E isso passava por construir o novo Estádio. Demonstrar que, tal como os nossos adversários, também éramos capazes.
Havia um risco? Seguramente que sim, mas era necessário assumi-lo, e eu pessoalmente assumi esse risco. E não tenho, hoje, a menor dúvida que o novo Estádio foi uma das molas que impulsionou toda a nossa recuperação.


O novo Estádio da Luz já recebeu mais de 8 milhões de visitantes e mereceu da UEFA o certificado de estádio com 5 estrelas.


Naquela altura, em 2002, todos falavam dos custos e poucos se lembraram dos proveitos financeiros e emocionais que o estádio nos traria. Hoje, nove anos volvidos, mais do que um custo, o estádio representou uma solução financeira que permitiu ao Clube ser viável.


Não me posso esquecer de uma das inovações mais significativas e que ajudou a financiar a construção do estádio, passou pelo patrocínio de cada uma das bancadas: o chamado “Naming das bancadas”. Fomos o primeiro Clube em Portugal a introduzir esta solução.


A nossa dívida à SOMAGUE, que foi a empresa responsável pela construção do Estádio, está – hoje – liquidada e o “Project Finance” que foi concebido está a ser integralmente cumprido.


Terceiro grande pilar em que assentou a mudança e o sucesso do actual Benfica: os seus sócios!


Não me tenho cansado de dizer que verdadeiramente interessa e faz do Benfica aquilo que é são as pessoas, os seus sócios. Quando cheguei ao Benfica e resultante da conjugação de uma série de factores; desde a falta de êxitos desportivos, o alto preço dos bilhetes, a entrada em força das transmissões televisivas, as más condições do anterior estádio, mas sobretudo o facto de os sócios terem deixado de fazer parte – durante longos anos – das preocupações das várias Direcções do Clube, os sócios tinham-se afastado do Clube.


Era fundamental trazer de volta os sócios, mas isso só seria possível com a criação de valor para os sócios.
A base da estratégia assumida pelo Clube consistiu em transportar para o Sócio o valor associado à marca Benfica criando um pacote de benefícios baptizado de “Kit Sócio” e que permite aos sócios obter descontos de tal modo significativos que, ao serem utilizados, não só anulam o custo da quota como ainda trazem um benefício económico.


Apenas como exemplo, vou referir um dos nossos parceiros: a Repsol. Os sócios do Benfica representam hoje a frota que mais consome combustíveis da Repsol.


Consomem mais de 50 milhões de litros por ano, o que significa que um sócio que abasteça 180 litros por mês obtém uma poupança de 11 euros por mês. As quotas do Benfica representam um custo de 12 euros por mês.
Portanto, como podem ver, só com um dos nossos parceiros está praticamente garantido a totalidade do custo da quota. Foi esta diferença de conceito que o Kit Sócio veio introduzir.


Em Maio de 2005, antes do lançamento do “Kit Sócio”, o Benfica contabilizava 92.000 sócios.
Recordo-me – porque um líder deve ser optimista e deve ser o primeiro a acreditar no sucesso da sua equipa – que afirmei que a meta seria chegar aos 300.000 sócios. Muita gente desconfiou de tal afirmação.


Hoje, quase seis anos volvidos, o Benfica já ultrapassou os 230 mil sócios. O “Kit Sócio” permitiu-nos passar a ser o maior Clube do Mundo a nível de associados.


Este resultado é tanto mais surpreendente quanto se sabe que Portugal tem apenas 10 milhões de habitantes, e mesmo com esta diferença de escala em relação à maioria dos países europeus, o Benfica consegue ultrapassar em número de sócios clubes como o Real Madrid ou o Barcelona.


O Lançamento do “Kit Sócio” marcou um momento de viragem, em que o Clube assumiu os Sócios como o seu principal activo e resultou do facto de o Benfica perceber que a sua marca tinha um valor enorme que não estava a ser devidamente explorado.


Para mim, a prioridade de ontem é a mesma de hoje: os Sócios! Sem eles nada disto teria razão de ser. É por eles que avançámos para a renovação de toda a rede de Casas do Benfica, que apostámos no voto electrónico, que estamos a recuperar tudo o que é a história do Benfica, que avançámos com a Fundação Benfica, porque o Benfica também tem uma responsabilidade social.


Foi ainda a pensar nos sócios – e este é o quarto vértice desta apresentação – que a Direcção a que presido decidiu avançar com um canal próprio de televisão. Não era um processo fácil, já o sabíamos.


Foi um processo que enfrentou e teve de vencer muitas barreiras. Mas – qualquer bom gestor – quando está certo da decisão que tomou, não pode desistir, por mais barreiras e obstáculos que se levantem.


Foi o que aconteceu. Foi um processo que levou anos a concretizar, mas conseguimos “arrancar” com o nosso canal de televisão.


A Benfica TV nunca foi pensada como um instrumento financeiro, ou como um meio que teria necessariamente de ser rentável.


A Benfica TV foi pensada como um projecto estruturante, que ajudaria na comunicação com os seus sócios e adeptos.


No fundo, viria completar aquilo que tínhamos começado com o Kit Sócio; ou seja o sócio no centro da nossa estratégia de comunicação, mas mais do que isso uma “marca global” precisava de ter instrumentos globais e a Benfica TV é hoje um desses instrumentos.


Lançada em Dezembro de 2008, a Benfica TV chega hoje a mais de um milhão de lares e já emite para os Estados Unidos, Suíça, Luxemburgo e Cabo Verde. Sendo que está no nosso horizonte prosseguir este movimento de internacionalização.


Mas se é verdade que a lógica financeira nunca foi o motor da Benfica TV, o certo é que o nosso canal televisivo – ao fim do segundo ano de actividade – é o único canal de um clube, a nível mundial, que é rentável.


Todos os restantes canais – Barcelona, Real Madrid, Manchester, Milão – são canais que perdem dinheiro. Para que tenham uma noção da força do nosso canal e da nossa marca, quando a Benfica TV foi lançada em 2008, foi um canal exclusivo da MEO.


Em Dezembro de 2008 a MEO tinha 55 mil assinantes, actualmente conta com mais de 850 mil assinantes. Creio que em traços muito gerais ficaram algumas marcas e algumas das razões da recuperação do Sport Lisboa e Benfica na última década.


As memórias de tudo o que já fizemos não podem – nunca – constituir um refúgio de conforto, antes um incentivo para tudo o que ainda temos de fazer no presente e no futuro.


O tempo do passado é um tempo certo, já não muda.


O nosso tempo, o tempo do presente, é o tempo de fazer! É esse o nosso desafio.


Obrigado a todos pela vossa atenção.”


Sport Lisboa e Benfica Online

Sem comentários:

Enviar um comentário