sábado, 26 de março de 2011

O efeito Mantorras

O público agita-se por trás do banco de suplentes quando ele recebe uma indicação do treinador e começa a laçar as botas, solta um aplauso impaciente quando se encaminha para a zona de aquecimento e explode de satisfação quando ele entra finalmente no relvado para dez minutos de acção. É o clássico duelo entre o coração (dos adeptos) e a razão (do treinador).


Ao longo de meia dúzia de anos, a casa vinha abaixo com Pedro Mantorras. E agora o fenómeno repete-se com Nuno Gomes. Se no caso do angolano o carinho espontâneo era condicionado pelo infortúnio e coragem dele, o afecto pelo capitão encerra uma crítica à opção de Jorge Jesus, que o tem ostracizado em benefício de outros elementos de menor valia.


O técnico já tinha acabado com a carreira de Mantorras, concretizando pela indiferença dos seus critérios o que nenhum dos antecessores conseguira. E quase fazia o mesmo a Nuno Gomes, ignorando o parecer negativo da maioria dos adeptos, que continuam a ver no capitão qualidades e capacidades muito superiores às de Kardec, Weldon, Keirrison ou Éder Luís, em quem o treinador apostou com mais convicção.


Nuno Gomes aproveitou cada minuto de jogo oferecido por Jesus como se tratasse de uma última reserva de oxigénio. E sobreviveu.


Em cinco oportunidades, num total de 51 minutos de acção, marcou 4 golos. E o mais notável é que o conseguiu com apenas 5 remates à baliza, sendo que o remate 'falhado' foi seguido de uma recarga vitoriosa – no último jogo em Paços de Ferreira. E ainda mais um golo em duas oportunidades (mais 40’) nas outras competições. No total da época, 91 minutos, 5 golos!


A gritante comparação com Kardec, por exemplo, torna-se legítima: o jovem brasileiro fez 2 golos, um de penalti, em 12 remates. E Saviola, sempre titular, 8 golos em 46 remates.


A eficácia de Nuno Gomes enfrenta agora a «ameaça» de Jesus de o colocar na equipa inicial em alguns jogos, de forma a demonstrar que já não terá nível competitivo para permanecer no plantel e prolongar a carreira. Mas ninguém tem a certeza disso, pois não?
CINCO ANOS CONTRA O TEMPO
A carreira de Pedro Mantorras quase se resumiu a uma luta persistente contra as limitações físicas e terminou de forma inglória, mas ficam para a posteridade os lampejos de classe e emoção que acabaram por dar-lhe um lugar à parte na história benfiquista. Em resumo, nos últimos cinco anos de carreira apontou uma dúzia de golos, saído do banco de suplentes no meio de uma algazarra de adeptos confiantes. Mantorras criou um efeito especial e único pela expectativa genuína que oferecia de um momento de mágica ou, simplesmente, de eficácia, no final de um jogo adverso e quase sempre na iminência de um resultado negativo, lutando contra o tempo. Os seus golos valeram 7 pontos na conquista do título de 2005, correspondendo ao desespero de Trapattoni, mas já não serviu a Jorge Jesus.


PONTOS FORA DE HORAS


O Sporting tem sido de longe a equipa mais sofrida desta temporada, já com 10 pontos (três vitórias e um empate) alcançados ao cair do pano, com destaque para os penaltis de Matias Fernandez, contra apenas 4 do Benfica e 3 do Porto. Os do Benfica correspondem ao triunfo sobre o Marítimo (Coentrão) e ao empate com o Portimonense (Nuno Gomes).


O QUE FAZ A DIFERENÇA


INSTINTO
A diferença entre um avançado que faz 300 golos na carreira e outros que não passam dos 100 reside em boa parte nas capacidades inatas, o instinto 'matador' que uns têm e os outros não.
EXPERIÊNCIA
Os bons avançados tornam-se melhores com a idade, desde que não sofram de constrangimentos físicos. O tempo ensina-os a movimentarem-se no reduzido espaço da área, a adivinharem o local exacto onde a bola vai cair e a ler rapidamente a linguagem corporal dos opositores.


MENTALIDADE
A frieza nos últimos dez metros distingue os avançados, onde a precisão, a velocidade do pensamento e o sentido de colocação são decisivos. Após quase 20 anos, Nuno Gomes mantém intacta essa capacidade de não se precipitar frente à baliza.
TÉCNICA
Quatro golos em cinco remates, sendo que o «falhado» foi seguido de uma recarga vitoriosa, dizem tudo sobre a característica essencial de um bom avançado: saber meter o pé, a cabeça, saber dosear a força ou optar pela delicadeza que o momento exige, para evitar o desperdício ao mínimo.


Correio da Manhã

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